SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Pandemia de Covid e guerra na Ucrânia geram ansiedade na população

Folha de S. Paulo
16/03/2022 - 08h55

Apesar da aparente melhora da situação pandêmica da Covid no Brasil e no mundo, os efeitos da crise sanitária na saúde mental da população continuam existindo.

Uma análise da OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgada este mês mostrou que casos de ansiedade aumentaram 25,6%, e de transtorno depressivo grave, 27,6%, durante a pandemia —que teve início oficialmente no dia 11 de março de 2020.

Para piorar a situação, a invasão russa na Ucrânia, um dos mais graves conflitos militares na Europa desde a Segunda Guerra, trouxe novos temores para a população, incluindo o medo de uma guerra nucelar.

De acordo com o estudo da OMS, que considerou, em sua maioria, pesquisas do primeiro ano de pandemia, o aumento de transtornos mentais foi maior em países com alto número de infecções ou com grandes restrições de mobilidade. As mulheres jovens foram as mais afetadas, assim como os profissionais de saúde tiveram uma taxa maior de de exaustão e burnout.

Para a psicóloga e diretora-executiva da Bee Touch, startup de saúde mental, e membro do grupo de enfrentamento da Covid-19 da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ana Carolina Peuker, a pandemia “não foi apenas uma crise sanitária, mas sim uma crise humanitária, com impacto na saúde mental”.

“A saúde mental é uma área historicamente negligenciada em termos de investimento, e a pandemia serviu como um catalisador para isso. Os problemas já existiam, eles foram potencializados durante a crise”, explica.

E, como em uma situação de guerra, a pandemia provoca um esgotamento psíquico, que é quando há a liberação contínua de hormônios de estresse. “É como se fosse um botão do pânico ligado de maneira perene, com a liberação de cortisol [hormônio do estresse] em picos contínuos. Isso gera um esgotamento psicológico importante”, diz.

O professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Caio Maximino de Oliveira, considera que esse sofrimento psicológico pode se traduzir, atualmente, em exaustão. “Não somente de restrições que a pandemia trouxe na vida cotidiana, mas também de todas as reconfigurações que tivemos de enfrentar. Se, no começo da pandemia, apesar de todo o sofrimento havia esperança do mundo sair melhor, dois anos depois estamos exaustos demais para isso”, diz.

Mesmo com o avanço da vacinação e a flexibilização de medidas protetoras, que é algo positivo do ponto de vista psicológico, o retorno ao pessimismo é desencadeado pela situação na Ucrânia, avalia ele.

Já para o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker tanto a pandemia quanto a guerra no Leste Europeu trazem em comum outro elemento que é o medo do contágio: no primeiro caso, pelo coronavírus, e no segundo, pela contaminação após um bombardeio atômico.

“A guerra entrou de forma muito rápida nas pessoas, com o medo do contágio, o perigo representado pelo outro. E, neste caso, é algo menos palpável porque a contaminação por radioatividade pode demorar anos para ser sentida”, afirma.

Para muitos dos seus pacientes, a Covid teria trazido uma ideia de união forte entre os países em torno do bem comum, que era combater o inimigo —o coronavírus—, com a produção das vacinas, mas a crise militar atual coloca isso por terra.

“Todos acreditavam que iria acontecer algum tipo de intervenção para frear o inimigo que, agora, é o [presidente russo, Vladimir] Putin, pelo menos nos seus íntimos e nas suas fantasias, e como isso ainda não se concretizou, causa muito mal às pessoas”, avalia o psicanalista.

A pandemia da Covid e a guerra na Ucrânia possuem uma outra característica em comum: a insegurança “ontológica”, segundo Oliveira, ou a extinção total da população frente a uma ameaça relativa ao meio ambiente ou à preservação das espécies.

“Se há algo que parece definir a ansiedade, esse algo é a incerteza em relação ao futuro, e isto pode estar ligado também às mudanças climáticas”, diz Oliveira.

Para Dunker, a percepção no imaginário popular de que uma catástrofe ambiental é possível está mais concretizada e gera mais ansiedade do que mudanças pequenas no cotidiano, como pagar as contas em dia, reciclar o lixo, viver de maneira mais saudável.

“É mais fácil imaginar que a Ucrânia vai detonar uma bomba atômica do que mudar o que é previsível”, diz.

Questionado sobre quais ações recomenda para diminuir a ansiedade, o psicanalista afirma que criar falsas expectativas e o excesso de controle devem ser evitados para não provocar mais angústia.

“Ler e se informar, aprender melhor sobre o tema, entender os espaços contraditórios —sem considerar uma divisão binária entre bons e maus— e refletir como isso impacta sua vida, são algumas das orientações que eu daria a um paciente. E a humildade, porque mesmo a ciência não possui respostas para tudo. Amanhã pode surgir uma nova variante do vírus e precisamos conseguir controlar essas angústias para responder a elas rapidamente”, diz.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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